Agora que se inicia a época de tomada de decisões sobre limites de captura e outras medidas relativas às pescas europeias, os gestores enfrentam um défice de responsabilidade. As decisões sobre regras para populações de peixes geridas apenas pela União Europeia irão seguir um processo já bem delineado. As tomadas de decisão da UE sofrem com as suas próprias falhas de transparência e serão severamente afetadas pelas restrições da COVID-19 este ano, mas os processos das instituições são amplamente compreendidos e rotineiros. No entanto, para outras unidades populacionais, a saída do Reino Unido da UE muda significativamente o processo. Após o Brexit, as unidades populacionais geridas apenas pela UE são agora a minoria e é grande a incerteza de quando ou como exatamente é que a UE e o Reino Unido irão negociar e acordar os limites para as outras unidades populacionais, aquelas que são geridas conjuntamente.
Este ano, espera-se que a UE e o Reino Unido negoceiem bilateralmente para acordar medidas de gestão para cerca de 100 unidades populacionais, com algumas dessas decisões também sujeitas a acordo com outros governos, como a Noruega. A UE e o Reino Unido estão obrigados, ao abrigo de acordos das Nações Unidas, a encetar decisões anuais, independentemente do resultado das negociações pós-Brexit sobre o futuro relacionamento a longo prazo dessas partes. Agora, um novo ciclo anual de negociações bi ou multilaterais entre os gestores das pescas irá provavelmente tornar-se rotina e poderá incluir questões controversas como acordar partilhas de quotas ou simplesmente abranger os pareceres científicos na definição dos limites de captura anuais.
O que preocupa é a falta de clareza sobre a forma que esse processo vai ter—de ambos os lados do canal da Mancha—e os sinais que apontam que os decisores serão ainda menos responsáveis do que atualmente, aumentando assim as probabilidades de pesca insustentável.
Por seu lado, o Reino Unido está a deixar claro que vê isto como uma oportunidade para diluir regulamentações e assumir maiores riscos com a sustentabilidade de unidades populacionais de peixe. Depois de reduzir as suas próprias ambições políticas na Lei de Pescas interna, o Reino Unido inicia as conversações sobre as pescas com a UE com uma posição de abertura que vai mais além na remoção de salvaguardas de sustentabilidade. Especificamente, o Reino Unido pretende limites de captura que “levem em conta" os pareceres científicos, mas também os "aspetos socioeconómicos”, que é exatamente a dinâmica política que alimentou a sobrepesca nas décadas de gestão da UE antes de a sua política ser reformada em 2013.
Será que a UE vai travar este comportamento arriscado do Reino Unido? No papel, a posição negocial da UE sugere que está a tentar fazer isso incluindo salvaguardas de sustentabilidade em linha com os compromissos internacionais e até mesmo definindo um processo para como proceder quando as conversações são interrompidas e as partes não conseguem chegar a um acordo sobre os limites de captura anuais. Se o Reino Unido concordar em incluir estas salvaguardas no acordo, isso é um passo no sentido da mitigação do risco de pesca insustentável em futuras negociações de gestão. A UE também publicou as suas propostas para 2021 com um processo mais transparente apresentado pelo Comissário Europeu Virginijus Sinkevicius, que traz este ano propostas mais próximas dos pareceres científicos do que em anos anteriores, um passo muito bem-vindo. Mas permanecem outros riscos que os decisores da UE parecem ainda algo relutantes em enfrentar.
Não é ainda claro como irão decorrer estas conversações, quem irá representar as posições da UE e do Reino Unido sobre os limites de captura e, essencialmente, como os negociadores de cada parte irão ser responsabilizados pelas suas respetivas democracias. As conversações da UE com a Noruega nas recentes décadas dão uma ideia dos riscos de responsabilização. A UE é representada nessas conversações por funcionários da Comissão Europeia, com funcionários dos Estados membros e representantes da indústria pesqueira também a participar com diferentes níveis de acesso às negociações formais. Outras partes interessadas, como organizações da sociedade civil, têm as portas barradas não estando sequer autorizadas a entrar no edifício, tornando assim difícil avaliar quais os interesses que estão a ser servidos pelas decisões.
Embora os resultados sejam geralmente carimbados pelos ministros posteriormente, tem sido difícil atribuir responsabilidade pelos resultados. Em grande parte isso deve-se ao facto de a decisão real ter sido tomada bem antes do processo, por trás de portas fechadas e longe do escrutínio público, sem um único decisor ou instituição assumir responsabilidades claras.
Se as conversações anuais UE-Reino Unido seguirem o mesmo padrão, isso representará um grande retrocesso na transparência, tal como a posição do Reino Unido no papel corre o risco de degradar as salvaguardas que anteriormente se aplicavam às pescas europeias. E isto pode deixar o público às escuras sobre o processo.
O Conselho Internacional para a Exploração do Mar irá continuar a publicar pareceres científicos sobre os limites de captura todos os anos e, vários meses mais tarde, os negociadores da UE e do Reino Unido irão anunciar que acordaram os limites para o ano seguinte ou talvez que esse acordo não foi alcançado. Entre estes dois momentos, pessoas não diretamente envolvidas nas conversações podem ter muito pouca informação sobre o que os nossos decisores eleitos pretendem nas negociações sobre gestão conjunta.
Por exemplo, pode não haver propostas da Comissão Europeia para a grande maioria das unidades populacionais, ou o governo do Reino Unido pode optar por não publicar algumas informações sobre os seus objetivos nas conversações. Talvez o nosso primeiro conhecimento do enfraquecimento das proteções para populações de peixes venha apenas depois de um compromisso à porta fechada ser feito. Estes cenários violariam os compromissos internacionais que a UE e o Reino Unido assumiram como signatários da Convenção de Aarhus sobre o acesso público à informação na tomada de decisões.
O risco de sobrepesca é claro, particularmente se as partes emularem o modelo UE-Noruega de levar para a mesa de negociações apenas um grupo seleto de interessados para guiarem as suas prioridades. E, a menos que a UE e o Reino Unido tomem medidas agora para assegurar a transparência nos seus processos de tomada de decisão, a credibilidade das políticas de pesca irá, mais uma vez, ser afetada.
As negociações internacionais são delicadas e não podem ser sempre realizadas debaixo de holofotes públicos. Mas se as propostas de gestão não forem publicadas, e objetivos não forem discutidos publicamente, provavelmente irá seguir-se uma negociação desresponsabilizada, ficando o público mais uma vez confuso não só sobre a sustentabilidade das pescas como também sobre quem é responsável pela sua proteção.
Andrew Clayton lidera os esforços da The Pew Charitable Trusts para acabar com a sobrepesca no Noroeste da Europa.