Novo estudo revela que mais de 100 000 pessoas morrem anualmente no setor das pescas global
A pesca ilegal, a sobrepesca e as alterações climáticas contribuem para a elevada taxa de mortalidade numa das profissões mais perigosas do mundo
WASHINGTON – Novo estudo revela que, todos os anos, ocorrem mais de 100 000 mortes relacionadas com a pesca. Por dia, morrem cerca de 300 pescadores, o que corresponde a uma estimativa muito superior a todas as avaliações anteriores, de acordo com a investigação levada a cabo pela fundação FISH Safety Foundation (FSF) a pedido da organização The Pew Charitable Trusts.
A taxa de mortalidade significativa afeta de forma desproporcional os pescadores com baixos rendimentos, incluindo trabalho infantil, e é predominantemente motivada por condições de trabalho perigosas e embarcações pouco seguras.
A FSF identificou vários fatores responsáveis pela mortalidade dos pescadores, incluindo pobreza, conflitos geopolíticos, sobrepesca, pesca ilegal, não declarada e não regulamentada (INN) e alterações climáticas. A pesca INN é um fator significativo, sobretudo à medida que a procura de proteína proveniente do peixe aumenta globalmente. Os operadores industriais ilegais não agem em conformidade e ignoram as regras de segurança, contribuindo para a sobreexploração de capturas altamente rentáveis. Consequentemente, verifica-se o que foi identificado como "pesca INN por necessidade", situação em que os pescadores artesanais e de pequena escala são levados a desrespeitar as regras ou participar em atividades perigosas e não regulamentadas perante a dificuldade em encontrar peixe. Estas condições são exacerbadas pelas alterações climáticas e a mudança da distribuição das unidades populacionais de peixe.
"Apesar de a pesca poder ser, por natureza, arriscada, a dura realidade é que muitas destas mortes eram e são evitáveis. Tendo em conta os 3 mil milhões de pessoas dependentes da pesca e o aumento previsto da procura, é necessário dispor de políticas mais sólidas e urgentes para manter os pescadores em segurança, incluindo as que abordem os fatores determinantes para estas mortes", declarou Peter Horn, diretor do projeto relativo às pescas internacionais da Pew, centrado em evitar e acabar com a pesca ilegal.
Eric Holliday, diretor executivo da FSF, declarou: "Especulou-se bastante se as estimativas de mortalidade dos pescadores subestimavam e ocultavam o perigo da pesca. A nossa análise é a primeira deste tipo e demonstra de forma conclusiva que a falta de transparência na indústria das pescas coloca vidas em risco, obscurecendo o cenário geral do que ocorre nas embarcações e bancos de pesca, o que faz com que seja difícil os governos definirem políticas para melhorar a segurança. É possível que nunca se consiga determinar o número exato de mortes de pescadores, mas estes dados devem constituir uma chamada de atenção para os governos, indicando que para salvar vidas é necessário agir urgentemente, com base na informação obtida através de melhores relatórios e da partilha de dados sobre mortalidade."
Através da análise dos dados publicamente disponíveis e ao cruzá-los com dados do jornalismo de investigação e artigos da imprensa, redes sociais e comunicações privadas com os responsáveis governamentais e outros, os autores do estudo traçaram o cenário mais completo até à data do número de mortes relacionadas com a pesca em todo o mundo.
No entanto, mesmo com todas estas ferramentas disponíveis, ainda permanecem lacunas de dados e o número total é praticamente impossível de quantificar. Os dados insuficientes e imprecisos fizeram com que os decisores tivessem dificuldade em implementar as alterações políticas necessárias para garantir a segurança dos pescadores industriais e de subsistência ao nível internacional, estatal e local.
Com base nos resultados do estudo, a Pew apela à tomada de ações em várias frentes. Ao nível nacional, é preciso fazer mais para implementar medidas de segurança relativamente aos pescadores e abordar os principais fatores. Tendo em conta os níveis desproporcionais de mortes em comunidades com baixos rendimentos, é urgente o apoio financeiro e o desenvolvimento de capacidades. Do ponto de vista internacional, os esforços envidados para a melhoria da recolha de dados, transparência e partilha de informações ajudarão os organismos governamentais a compreender melhor os problemas que os pescadores enfrentam, quantificar com maior precisão os riscos acrescidos associados à pesca INN e adotar políticas para dispor de medidas de segurança mais rigorosas para as embarcações.
Além disso, também estão disponíveis quadros regulamentares concebidos para travar a pesca ilegal e proteger os pescadores. Mais especificamente, os países devem ratificar e implementar o Acordo da Cidade do Cabo, adotado pela Organização Marítima Internacional em 2012, que define normas de segurança para a construção e desenvolvimento de embarcações de pesca, assim como implementar o Acordo da FAO sobre medidas dos Estados do porto, que trabalha para evitar que o peixe capturado de forma ilegal entre na cadeia de abastecimento de peixe, e prosseguir com a implementação da Convenção sobre o Trabalho no Setor das Pescas, C188 da OIT de 2007, que define as normas relativas às condições de vida a bordo das embarcações no mar. Os Estados-Membros de organizações de gestão de pescas regionais também devem definir políticas claras que reforcem os esforços para combater a pesca INN e a sobrepesca.
"Felizmente, existem várias ferramentas disponíveis que podem ajudar a travar a pesca INN industrial e a sobrepesca, assim como reforçar a chamada de atenção para a segurança numa das profissões mais perigosas do mundo", acrescentou Peter Horn. "Apesar de não abordarem todas as questões, estas ferramentas demonstram claramente a intenção de resolver o problema. As autoridades internacionais também têm de dar prioridade à contagem das mortes. Os responsáveis só poderão saber quando e onde implementar ações mais rigorosas se dispuserem de um cenário mais claro relativamente ao que acontece na água. Este estudo deve constituir um alerta para as autoridades internacionais, os governos nacionais e os responsáveis pela gestão do sector das pescas em todo o mundo assumirem a responsabilidade de abordar a respetiva parte do problema. Os pescadores não podem continuar a morrer em vão e os governos já não podem ignorar as injustiças e desigualdades resultantes de uma ação insuficiente no que diz respeito à pesca INN, à sobrepesca e às alterações climáticas."
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