Nota do editor: O conteúdo desta página foi atualizado em 20 de fevereiro de 2024 para especificar a data de lançamento do projeto de conservação do Pantanal e Gran Chaco na América do Sul.
O Pantanal, com suas áreas alagadas tropicais e ecossistemas associados, cobrem cerca de 180 mil quilômetros quadrados nos territórios da Bolívia, do Brasil e do Paraguai, uma área maior do que o estado da Flórida nos EUA ou toda a Grécia. As florestas secas da região chegam a mais de um milhão de quilômetros quadrados, o que é mais que o estado norte-americano do Texas ou qualquer país da Europa exceto a Rússia, e cobrem parte da Bolívia, do Paraguai, da Argentina e do Brasil.
Juntos, esses ecossistemas interligados, conhecidos informalmente como Chaco-Pantanal, contribuem consideravelmente para o equilíbrio ecológico e climático do planeta, além de apresentar uma biodiversidade incomparável: a região é o hábitat de espécies como a onça-pintada, o tamanduá-bandeira, a ariranha e o lobo-guará, entre outras.
Mas a região, onde também vivem diversos povos indígenas, sofre diversas ameaças como agricultura ilegal e invasiva, incêndios florestais e grandes projetos de infraestrutura que prejudicam a subsistência de seus habitantes.
Em parceria com órgãos governamentais da Bolívia, comunidades indígenas e organizações não governamentais (ONGs), a Pew Charitable Trusts está trabalhando na proteção dessas áreas naturais com o projeto de Conservação do Pantanal e do Gran Chaco da América do Sul, lançado no ano passado. Na Bolívia, o projeto pretende melhorar a gestão dos principais parques nacionais da região, contribuir para o trabalho de conservação do Governo Autônomo Guarani Charagua Iyambae, apoiar o gerenciamento dos principais territórios indígenas dos povos Chiquitano e Ayoreo e promover o desenvolvimento de sistemas sustentáveis de financiamento para essas regiões.
Leonardo Tamburini é diretor executivo da ORÉ (palavra que significa “nós”, em guarani), ONG boliviana que oferece apoio jurídico e social para povos indígenas, fortalecendo seus direitos coletivos e a gestão sustentável dos territórios. Em 2022, a Pew estabeleceu uma parceria estratégica com a ORÉ para ajudar na gestão de terras e iniciativas de conservação indígenas no Gran Chaco boliviano. Tamburini é um advogado argentino, especialista em direitos humanos, e teve papel fundamental na defesa dos diretos indígenas na Bolívia nos últimos 20 anos.
A entrevista foi editada para reduzir sua extensão e esclarecer trechos.
R: Quando vim para a Bolívia, na década de 90, o país passava por mudanças políticas, sociais e culturais, entre as quais a necessidade de se reconhecer os povos indígenas como cidadãos de pleno direito. Esses eventos trouxeram à luz a importância dos direitos coletivos dos povos indígenas à terra e o fato de que essas terras tinham sido saqueadas e degradadas. Sempre me interessei por esse tipo de questão, então me envolvi com organizações de defesa dos direitos e demandas dos povos indígenas.
R: Os povos indígenas que ainda vivem em suas terras na Bolívia vêm gerindo a natureza e os recursos naturais com êxito, sabedoria e responsabilidade. Ao mesmo tempo, as ferramentas legais ou judiciais disponíveis para eles desde a colonização, ferramentas que não refletiam seus paradigmas de justiça, foram insuficientes para permitir que tomassem as próprias decisões sobre os recursos naturais dos quais dependiam. Isso afetou seu exercício de direito à autodeterminação. Por isso, para manter o círculo virtuoso de uso sustentável, conservação, permanência em longo prazo, enriquecimento da cultura e exercício dos direitos indígenas, é preciso garantir o direito à autogovernança dos povos indígenas e respeitar as decisões que eles tomarem sobre suas terras, segundo seus usos e costumes.
R: Se os povos e organizações indígenas não forem fortes e poderosos, não pode haver conservação nem sustentabilidade. Na Bolívia, e especificamente para o Governo Autônomo Charagua Iyambae do povo guarani, o projeto que estamos construindo com a Pew baseia-se nessa visão de longo prazo de autodeterminação dos povos indígenas, reconhecendo que eles não terão poder real se não puderem gerir e conservar os próprios recursos. Mas não estamos falando de poder político aqui no sentido de cargos no governo nacional. A ideia é que esses povos possam tomar decisões sérias, responsáveis e conscientes sobre suas terras, decisões que levam ao bem-estar e desenvolvimento sustentável.
R: O território boliviano está organizado em departamentos, províncias, municípios e regiões indígenas autônomas. Esta última categoria foi criada em 2009 com a nova constituição nacional. Antes de 2015, o Charagua, que sempre fez parte das terras ancestrais dos povos indígenas guarani, era um município. Em 2015, os guaranis conseguiram uma certa autonomia para a região, concretizada no governo autônomo dos povos indígenas. É uma oportunidade para a população local exercer o direito pleno sobre suas terras, seus recursos naturais e sua visão de desenvolvimento.
R: Estamos falando de governos indígenas com autonomia para decidir sobre a administração, planejamento e gestão de todo o seu território. Outra forma de exercer a autonomia territorial é criar áreas protegidas, que oferecem refúgios contra ameaças à biodiversidade e às maneiras indígenas de viver. Hoje, quase 70% da terra Charagua Iyambae é usada para áreas de preservação. Embora a preservação aconteça no nível local, o impacto é global e se alinha perfeitamente à agenda global de preservar recursos naturais.
R: Este projeto marca uma nova etapa do relacionamento entre povos indígenas e o financiamento internacional de grupos locais. Estamos encontrando objetivos comuns que mantêm os povos indígenas como protagonistas. Eles estão apresentando iniciativas de alto impacto, com decisões consensuais e apoio de alianças entre as instituições.
R: A consolidação dos direitos dos povos indígenas na constituição boliviana, aprovada em 2007 e promulgada dois anos depois, garantindo o reconhecimento legal dos povos indígenas na Bolívia. Obter um resultado assim depois de anos de trabalho e sacrifício é muito gratificante, porque o sucesso na vida do ativista pode ser bem limitado. Na realidade, como ativista, você luta por muito mais do que acaba conseguindo.