Que futuro para as pescas europeias?

Apesar das incertezas, os líderes da UE e do Reino Unido devem chegar a um acordo relativamente a uma pesca sustentável

Que futuro para as pescas europeias?
George Clerk

A parte final de 2020 será crucial para os decisores das pescas europeias. É quase uma certeza de que o Brexit irá dificultar os esforços dos ministros para chegar a um acordo relativamente às medidas para alcançar uma pesca sustentável, e que, em muitas áreas, irá exigir uma recuperação das unidades populacionais sobreexploradas.

Uma vez que a União Europeia (UE) e o Reino Unido (RU) ainda não chegaram a um acordo referente ao futuro da gestão das pescas, a gestão das unidades populacionais comuns às duas partes é, por enquanto, uma incerteza. É evidente que, caso queiram cumprir as suas obrigações e os compromissos internacionais, os líderes da UE e do Reino Unido terão de se esforçar mais no sentido de acabar com a sobrepesca.

Os líderes da UE definiram como prioridade da sua agenda política a recuperação do meio ambiente, mais concretamente através do Pacto Ecológico Europeu e da Estratégia para a Biodiversidade, os quais estabelecem objetivos ambiciosos para a recuperação dos ecossistemas e permitir acautelar um futuro sustentável para as indústrias europeias. Do outro lado do canal, o governo do Reino Unido declarou no seu Livro Branco sobre as pescas, o seu compromisso de assumir-se como “líder mundial na gestão das pescas” após o Brexit.

Incumprimento dos prazos, mas oportunidades de os retificar este ano

Desde a reforma da Política Comum das Pescas (PCP) da UE em 2013, e em conformidade com os pareceres científicos, foram efetuados alguns progressos no sentido de recuperar as unidades populacionais e reduzir a pressão da pesca. No entanto, o prazo para o cumprimento da lei já foi ultrapassado. A análise da Pew demonstra que, na reunião de dezembro do Conselho de Agricultura e Pescas, os ministros fixaram 46 por cento dos limites dos totais admissíveis de captura (TAC) superiores ao nível cientificamente recomendado - um aumento de 41 por cento relativamente ao ano anterior.

As reuniões do conselho deste ano irão trazer muito mais incertezas do que em anos anteriores. Como resultado do Brexit, os limites de captura para unidades populacionais adicionais terão de ser negociados entre a UE e os países fora da UE, com um máximo de 100 unidades populacionais (anteriormente geridas no âmbito da PCP) e que agora são objeto de negociação entre a UE e o Reino Unido. Embora não seja claro se as negociações sobre os limites de captura ocorrerão este ano, ou em que formato, é imperativo que a conservação e a gestão conjunta sustentável das populações de peixes pela UE e pelo Reino Unido tenham prioridade sobre outras questões nessas mesmas negociações.

Entretanto, a data limite de 1 de julho para um acordo estrutural entre a UE e o Reino Unido, relativamente à gestão conjunta das unidades populacionais de peixes já foi ultrapassada, e a evolução desse acordo continua bastante lenta. Numa apresentação perante um comité da Câmara dos Lordes, o secretário de Estado do Reino Unido para o Meio Ambiente, George Eustice, alertou que as negociações sobre o acordo poderiam prolongar-se até dezembro, outro indicador da incerteza política em torno da gestão das pescas europeias.

A UE argumentou que este acordo estrutural deveria incluir uma condição: a definição de limites de pesca a níveis sustentáveis. É preocupante que, apesar de declarar a intenção de se tornar um líder mundial em sustentabilidade oceânica, o Reino Unido não tenha refletido esse compromisso na sua posição negocial relativamente a um futuro acordo estrutural com a UE - especialmente porque esse requisito encontra-se ausente da nova lei de pescas do Reino Unido.

Um grande obstáculo é a forma de como as quotas devem ser divididas. A UE pretende definir quotas com base na estabilidade relativa, em que a parte de cada quota é fixada pelo histórico de capturas. O Reino Unido pretende adotar uma abordagem de "fixação zonal" em que a quota de um país, relativamente a uma unidade populacional, se correlaciona com a parcela dessa unidade populacional nas respetivas águas. Os líderes do Reino Unido pretendem igualmente que o acesso e as quotas sejam negociados anualmente.

A Pew preparou um conjunto de princípios orientadores que devem ser a base de qualquer acordo de pescas entre a UE e o Reino Unido. A adoção dessas recomendações ajudaria e muito a mitigar o risco de sobrepesca das unidades populacionais partilhadas.

Ponto de situação

Então, qual o ponto de situação das pescas europeias à medida que nos aproximamos de um período crucial? O princípio fundamental de que a sobrepesca deverá acabar em 2020 permanece inalterado. Os líderes da UE e do Reino Unido não devem invocar a incerteza política como desculpa, com o objetivo de evitar colocar a sustentabilidade no centro da gestão das pescas - na verdade, isso iria comprometer a confiança na sua capacidade em cumprir as suas promessas.

Para a UE, acabar com a sobrepesca até 2020 foi um pilar das suas reformas para a PCP e deve cumprir esse compromisso. Para o Reino Unido, o falhanço da colocação da sustentabilidade no centro da sua política, no seu primeiro teste pós-Brexit, enfraqueceria seriamente a intenção assumida do governo na definição do padrão de excelência para a gestão sustentável das pescas.

Embora as negociações da UE/Reino Unido, relativamente aos TAC, atraiam a maioria da atenção política e pública este ano, estas não são as únicas negociações de pesca importantes em curso. Os limites de captura para espécies de águas profundas e unidades populacionais no mar Báltico serão decididos em reuniões separadas do conselho, este outono. Os limites de captura para as unidades populacionais pelágicas mais importantes, como a sarda, serão decididos nas negociações dos Países Costeiros da Comissão de Pescas do Atlântico Nordeste, e vários limites do Mar do Norte serão decididos entre a UE, o Reino Unido e a Noruega.

Os ministros do Atlântico Nordeste enfrentarão decisões difíceis relativamente às unidades populacionais de peixes fortemente depauperadas, incluindo espécies economicamente valiosas como o bacalhau e a solha, as quais se encontram em níveis perigosamente baixos após anos sucessivos de limites de captura acima dos níveis cientificamente recomendados. No Báltico, unidades populacionais, como o bacalhau do Báltico oriental e o arenque do Báltico ocidental, encontram-se em tão má situação que os pareceres científicos exigem uma captura zero.

Todos os anos, os decisores não tomam as devidas medidas para a recuperação dessas unidades populacionais. As unidades populacionais permanecem abaixo dos níveis biológicos seguros e, em várias situações, continuam a diminuir - tornando as decisões já por si difíceis, ainda mais complicadas! Seguindo os pareceres científicos, os ministros podem iniciar o processo de restauração dessas valiosas unidades populacionais.

Para cumprir os seus planos ambiciosos de restaurar o meio ambiente, os líderes da UE e do Reino Unido têm de demonstrar liderança, acabando com a sobrepesca nas suas próprias águas e entre os seus parceiros regionais.

Jonny Hughes trabalha na campanha da The Pew Charitable Trusts para acabar com a sobrepesca no noroeste da Europa.